Projeto que “transforma chacreamentos em condomínios urbanos” gera insatisfação em Revés do Belém
BOM JESUS DO GALHO – Na manhã do último domingo (17), um salão de eventos em Revés do Belém ficou lotado de moradores e lideranças políticas para em audiência pública com a presença do Presidente da Camara Municipal e de mais 06 vereadores de Bom Jesus do Galho e do Vice-prefeito, discutir o projeto de lei que pretende regulamentar os chamados chacreamentos em Bom Jesus do Galho. A proposta, em análise na Câmara Municipal, prevê transformar os parcelamentos de solo rural em condomínios urbanos, mas a medida tem sido duramente criticada por moradores, que veem nela uma forma de o poder público se eximir de suas responsabilidades.
Morador da comunidade, Edmar Branco disse que a população teme que o texto mexa em situações já consolidadas. “A preocupação não só minha, mas de todos, é que a proposta mude algo já existente que não pode ser modificado, como moradias e vias públicas que não estão de acordo com o projeto”, afirmou. Para ele, mesmo com a previsão de que a coleta de lixo continue a cargo da prefeitura, há receio de que outras obrigações sejam empurradas para os chacreantes. “Esperamos que o projeto seja de acordo com o que já existe dentro dos chacreamentos, em consenso com todos”, disse.
O professor aposentado José Geraldo de Assis, que reside em Revés, afirmou que a proposta “transforma os chacreamentos em condomínios urbanos” e, com isso, permite que a prefeitura “tire o corpo fora” de suas obrigações, transferindo a moradores a manutenção de vias, redes de esgoto e energia elétrica, enquanto continua arrecadando impostos. Para Assis, o texto contém “armadilhas jurídicas” e precisa ser revisto com bom senso. Ele criticou a ausência da modalidade de chacreamento aberto — em que a infraestrutura é repassada ao poder público —, questionou se os pequenos chacreantes suportariam os custos financeiros e disse que artigos que remetem a regimentos internos de condomínios deveriam ser eliminados. Assis ainda acusou o projeto de resguardar apenas os interesses dos grandes empreendedores, em detrimento da comunidade local. “A lei precisa manter o foco na regularização dos núcleos já existentes e no parcelamento futuro, sem sufocar a população rural com encargos indevidos”, concluiu, acrescentando que está disposto a contribuir com sugestões caso seja provocado.
MODELO CONDOMÍNIO
Entre os pontos mais contestados, Assis destaca que as taxas do condomínio são definidas pela fração ideal, isto é, quanto maior a propriedade, maior o valor pago. Nos processos de votação interna, o peso do voto também depende do tamanho da propriedade. Ou seja, quanto menor o lote, menor o valor do voto, o que deixa pequenos chacreantes praticamente sem poder de decisão. Na prática, isso gera um cenário em que as vantagens recaem apenas sobre os grandes proprietários, que passam a ditar as regras. Além disso, as taxas são obrigatórias: mesmo que o condômino não concorde com o fato gerador, o não pagamento pode levar o morador à Justiça, com risco de penhora de bens e até leilão da propriedade.
CHACREAMENTO ABERTO
Farley Silva Bezerra de Moura, também morador de Revés, também defende o chacreamento aberto, a urbanização do chacreamento Fazenda Bom Jesus, como a única solução capaz de contemplar todos os moradores. “Só assim vamos atender às demandas dos chacreantes”, afirmou. Farley reconheceu que a lei tem deficiências, mas disse enxergar nela uma oportunidade: “A aprovação, mesmo com falhas, é uma faísca de esperança de conseguirmos a tão sonhada energia e termos segurança de ir e vir para nossas chácaras.”
O advogado e vereador Flávio Alves, que organizou a audiência pública, reconheceu que o texto tem falhas, mas defendeu a necessidade de uma lei. “O projeto é um avanço porque cria regras claras, mas precisa de ajustes. Não podemos permitir que artigos sejam usados para resguardar interesses de empreendedores em detrimento da comunidade”, disse. Segundo ele, a Câmara deve analisar as emendas com cautela. “O objetivo não é punir ninguém, mas trazer regularização e segurança jurídica”, declarou.
Sem consenso, a reunião terminou com o compromisso de novos encontros e a elaboração de um documento com as principais reivindicações da comunidade. A expectativa é de que a votação no plenário só ocorra depois que os vereadores se posicionarem sobre os pontos mais polêmicos. Até lá, o clima é de desconfiança. Moradores temem perder direitos, enquanto a prefeitura insiste em regulamentar uma realidade que já existe há décadas.