quarta-feira, maio 1, 2024
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Audiência Pública da ALMG: Reforma agrária pode colocar fim em conflitos agrários no Rio Doce e no Brasil

GOVERNADOR VALADARES – A reforma agrária é a solução para o fim dos conflitos agrários no Brasil. Essa foi a conclusão unânime entre participantes da audiência pública realizada pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), nesta sexta-feira (12/4/24), em Governador Valadares, no Vale do Rio Doce.

A reunião teve por finalidade debater o aumento da violência no campo na região, especialmente sobre dois crimes que chocaram a população, mas ainda não foram solucionados: dos líderes comunitários José Silva do Nascimento, conhecido como Zé dos Peixes, em junho do ano passado, no assentamento Oziel Alves Pereira, no município, e Silvino Gouveia, em 2017, no Assentamento Liberdade, em Periquitos.

Para a presidenta da comissão, deputada Andréia de Jesus (PT), a falta de política e compromisso pela distribuição da terra no Brasil agrava e motiva os conflitos. “As terras ainda estão concentradas nas mãos de colonizadores, seja de mineradoras ou agronegócio”, lamentou.

Ela relatou que dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT) apontam que, em 2022, foram registrados 2.018 ocorrências de conflitos no campo no Brasil e somente no primeiro semestre do ano passado, foram 973, a maioria por terra (791). O país, segundo a deputada, é o quarto do mundo em assassinatos de defensores de direitos humanos com 169 casos ocorridos entre 2019 e 2022. “A vida tem que vir antes que a propriedade”, preconizou.

O deputado Leleco Pimentel (PT) e o procurador do Ministério Público Afonso Henrique de Miranda Teixeira defenderam a utilização de terras devolutas (pertencentes ao Estado e que ainda não têm destinação) para a reforma agrária. “É preciso dar terra para produzir, para apaziguar o campo”, reforçou o parlamentar. A medida evitaria injetar dinheiro da união, segundo o procurador. “Nosso compromisso é pela reforma agrária, a defesa de vidas e da agricultura familiar”.

Além da repartição de terras, Andréia de Jesus defendeu a reparação financeira de familiares das vítimas dos conflitos agrários. “Enquanto não há reforma agrária, cada uma dessas mortes é responsabilidade do Estado”, argumentou. Em sua opinião, geralmente o direito penal não atinge os privilegiados que cometem o crime e, sim, negros, trabalhadores e pobres. “Precisa doer no bolso do governador para a gente mudar a realidade”.

O deputado federal Leonardo Monteiro (PT/MG) disse que a região do Rio Doce tem, desde sua formação, um histórico de violência e enfrentamento entre minorias e colonizadores. “Precisamos de uma sociedade paz em Governador Valadares e aqui no Vale do Rio Doce”. Seu colega da Câmara, deputado Padre João complementou: “o remédio principal é a reforma agrária”.

Morosidade também contribui para violência

A demora na solução dos conflitos e dos crimes pela disputa de terras foi apontada como um fator que estimula ainda mais a violência no campo, pela maioria dos participantes da audiência pública.

A reunião foi acompanhada por trabalhadores rurais de assentamentos da região, familiares e amigos de Zé do Peixe, que se emocionaram em vários momentos com a lembrança do líder comunitário – reconhecido como uma pessoa humilde e que lutava sempre por causas coletivas, pelo bem-estar da comunidade. Sua filha, Crislaine Pereira do Nascimento, nem conseguiu dar seu depoimento. “A única coisa que peço é justiça”, resumiu com a voz embargada.

Os dois casos foram fartamente citados como exemplos de impunidade. Sílvio Neto, diretor Nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em Minas Gerais lembrou de outros casos que também continuam sem solução. Um deles foi o do massacre no acampamento da Fazenda Nova Alegria, em Felisburgo (Jequitinhonha/Mucuri), ocorrido em 2004. Na ocasião, o fazendeiro Adriano Chafik Luedy coordenou a invasão e o ataque armado contra 200 famílias que ocupavam o local, matando cinco agricultores e destruindo casas e plantações. Mesmo a área tendo sido destinada para o assentamento, as famílias continuam aguardando a finalização do processo e a punição do assassino, condenado a 115 anos, mas ainda em liberdade.

“Isso motiva e estimula mais violência no campo. O Estado brasileiro não pode ser conivente”, advertiu. Ele também denunciou o incêndio criminoso que destruiu o Acampamento Padre Gino, no município de Frei Inocêncio (Rio Doce), na última quarta-feira (10/4).

A demora na solução das mortes de Silvino Gouveia e Zé do Peixe foi cobrada da titular da Delegacia de Homicídios de Governador Valadares, Adeliana Xavier. A delegada justificou a morosidade pela falta de pessoal e estrutura do órgão. Segundo ela, tramitam na delegacia três mil inquéritos de homicídios consumados e tentados, para serem analisados por apenas três delegados e dez investigadores.

Ela admitiu que tomou conhecimento do caso de Silvino apenas após ser procurada pela Comissão de Direitos Humanos. O inquérito estava parado e foi retomado. Segundo Adeliana, em até três meses será concluído.

Sobre a morte de Zé dos Peixes, disse que apenas um dos dois suspeitos do crime foi identificado por uma das testemunhas, mas que ainda não foi localizado. Afirmou que ainda faltam perícias em celulares apreendidos, trabalho realizado apenas em Belo Horizonte e que pode levar até 6 meses para ser finalizado.

Adeliana Xavier sugeriu que as pessoas envolvidas em conflitos procurem a delegacia para pressionar pelo andamento. “Quando um caso volta do fórum para ter mais prazo de apuração, vai para o fim da fila”, admitiu. Ela disse que o nível de violência está muito alto na cidade, que já registrou 30 homicídios de janeiro a março deste ano.

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