sábado, abril 27, 2024
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Psicólogo e pai pede mais empatia da sociedade com a causa autista em Minas

O psicólogo, pai de autista e vereador Daniel Guedes Soares, o Daniel do Bem – Ipatinga MG

IPATINGA – Com o tema “Espectro da diversidade no Transtorno do Espectro do Autismo (TEA)”, o JBN entrevistou o Psicólogo, pai de autista e vereador Daniel Guedes Soares, o Daniel do Bem, da cidade de Ipatinga, que abraça a causa como principal bandeira. No mandato do Psicólogo/vereador, ele aponta que o trabalho a seguir é o de propagar a ideia de mostrar as características e demandas da comunidade autista, incentivando a inclusão, igualdade e respeito, bem como a criação de políticas públicas voltadas para esse grupo.

A Organização Mundial de Saúde (OMS), o TEA atinge 1 em cada 160 crianças no mundo. “No Brasil, estima-se que existam cerca de 2 milhões de autistas. O diagnóstico ocorre geralmente entre os 2 anos e meio a 3 anos, e não existe cura para essa condição.

ENTREVISTA

Repórter JBN: Como pai de autista, o senhor abraçou a causa no município de Ipatinga e na região. Mas, como efetivamente o senhor pode contribuir com avanços para esse movimento, já que dependem, principalmente, de leis no âmbito federal ou estadual?

Daniel do Bem: É verdade que as legislações federal e estadual trazem as diretrizes para o gestor público municipal conduzir suas ações locais. Temos o Estatuto da Pessoa com Deficiência e a Convenção Internacional da Pessoa com Deficiência, que foi recepcionada em 2007 e integrada na Constituição Brasileira. Porém, o autismo e outras condições específicas apresenta realidades totalmente novas para a sociedade. O desafio da inclusão envolve a descoberta de caminhos inusitados. Temos uma Lei Orgânica Municipal e Estadual, além da Lei 12.764, que define as diretrizes da política pública nacional em favor do autista que possuem muitos itens sobre nossos direitos. Estão escritos na lei, mas todo dia aparece um problema diferente, uma necessidade diferente que precisa ser observada. Além do mais, as leis que nós temos hoje precisam ser regulamentadas. Ou seja, não basta colocar lá que todo autista tem que ser recebido como uma criança neurotípica. É urgente resolver “como” o município e o estado vão garantir o acesso e a permanência desse aluno na escola. Estou falando de coisas práticas como transporte, profissionais, recursos pedagógicos que custam dinheiro e a gente tem que indicar de onde virá o orçamento. Enfim, a legislação é um passo importante, mas não muda a realidade por si só. Temos que atuar no legislativo e fora dele para que aquela lei se transformar em avanço concreto.

Repórter JBN: Para o senhor, qual é a prioridade do movimento autista no momento atual?

Daniel do Bem: Temos muitas dificuldades com os nossos filhos antes mesmo de eles nascerem. Essas dificuldades são de natureza médica, psicológica, cultural e financeira, porque os pais, de uma maneira geral, criam expectativas construídas socialmente. Quando nossos filhos vêm ao mundo e não correspondem a essas expectativas, nos tornamos as principais vítimas da diferença que o autismo representa.  Autismo não é uma doença. É uma condição humana que luta para ser reconhecida e incluída como todo o restante da humanidade. Se fôssemos educados para entender que os seres humanos são mais complexos do que a família feliz na propaganda de margarina, esse sofrimento inicial, essa luta, seria muito menor. Portanto, nossa prioridade é a informação. A sociedade precisa saber mais sobre o autismo e sobre todas as pessoas com deficiência em geral. Os governos deveriam investir em mais propaganda informativa, a indústria do entretenimento tem que apresentar mais filmes, peças e outros produtos sobre o autista, as PCDs em geral. Toda sociedade tem que se envolver no debate para que a inclusão seja naturalizada. Nós, pais de autistas, às vezes nos sentimos extraterrestes diante de certas plateias que desconhecem totalmente o que é o nosso mundo.

Repórter JBN: O senhor falou da falta de informação da sociedade. Mas, como o senhor vê o papel da educação nesse sentido?

Daniel do Bem: A escola é o principal passaporte para o combate do preconceito e da discriminação. É a porta de acesso para a inclusão. Ocorre que essa escola, pública ou privada, também sofre com a falta de informação. Ainda não temos um currículo superior em pedagogia, psicologia ou outra área de humanas ligada à educação que prepare esse profissional a ponto de ter uma base inicial para recepcionar o aluno autista ou PCD. Com isso, a primeira abordagem do aluno e sua família é marcada pelo espanto, pelo medo dos educadores de fracassarem de imediato. Pouquíssimas escolas já superaram isso. Ou seja, já não vivem mais o estranhamento, o constrangimento de acolher aquele aluno diferente. Sabem que será desafiador, mas não terão aquele sentimento de impotência que desencoraja a todos. O Estado e o município têm, na minha opinião, como tarefa mais urgente, investir na formação continuada dos profissionais do ensino, especificamente nessa área. À medida que a nossa luta avança, cada vez mais temos famílias batendo no portão da escola regular para matricular o filho autista. É na escola que essa criança vai aprender a aprender e vai também se socializar, aprender a ser cidadão. Por isso, o poder público tem que sair da inércia e parar de esperar que pais e associações de autista entrem na Justiça para garantir uma escola inclusiva.  Isso é uma desfaçatez do gestor público. Covardia do prefeito, do governador que aguarda o processo judicial para poder agir. O elemento mais importante do processo de ensino é o educador.  Quando o educador está preparado, os desafios são apenas desafios e não barreiras instransponíveis para a sua missão de formar cidadãos.

Repórter JBN: O senhor tem falado muito em Menos Política e Mais Empatia. Isso significa que o senhor desacredita totalmente na política e bota fé no movimento para obter seus objetivos?

Daniel do Bem: Nosso slogan é uma provocação, mas não é uma negação da política. Ao contrário, queremos resgatar o verdadeiro sentido da palavra, que vem do termo grego “Polis” que significa diverso, diferente, múltiplo. Quando pedimos menos política nos referimos ao “jogo de poder”, uma disputa tão acirrada que pode atingir níveis como o que estamos vivendo. A política está dividindo amigos, famílias, casais. A política está matando pessoas pela simples razão de termos visões de mundo, ideologias contrárias. O movimento autista e da pessoa com deficiência tem muito a ensinar nesse momento muito radicalizado. A experiência de dor, sofrimento, frustração é tão profunda que, no final, só nos resta olhar para nós mesmos como seres humanos. Todos esses problemas do mundo, que geram disputas entre pessoas e partidos, não são nada quando nossos filhos estão numa crise convulsiva. Vivemos dramas todos os dias e, nem por isso, queremos odiar os outros, destruir os outros, culpar os outros. Nós praticamos a “empolítica”. Nossa luta mistura empatia na busca de espaço político e não o poder pelo poder. Não lutamos por ideologia, mas pelo ser humano. É legítimo ter partido, ter ideologia, buscar um cargo eletivo. Porém, a nossa causa cabe em todos os partidos, em todas as ideologias. Por isso, menos política, mais empatia.

Repórter JBN: Quando há suspeita de autismo por parte dos pais sobre seus filhos, onde devem ir para investigar sobre isso? Já que no posto de saúde não tem atendimento.

Daniel do Bem: Infelizmente, em 95% das cidades em Minas Gerais não existe uma política pública, uma porta aberta, um fluxo de atendimento para os autistas. Essa é a dura realidade da nossa família autista no estado. Então, se a pessoa não tem dinheiro para tratar seu filho, ela não consegue dar a este filho nenhuma oportunidade de autonomia e qualidade de vida porque todos os tratamentos são feitos pela rede particular. O tratamento para o autismo só existe com duas técnicas: intensidade e continuidade. Ou seja, tudo é muito e pra sempre. E isso é muito dinheiro, é a realidade de pouquíssimas famílias terem condições de ir à iniciativa privada para tratar seu filho, uma vez que na rede pública não existe nenhuma porta para acolher, diagnosticar e tratar nossos filhos autistas.

Repórter JBN: Há alguma forma de conseguir o tratamento das crianças com autismo na rede pública?

Daniel do Bem: Não tem jeito de conseguir, porque não há tratamento. Para conseguir um tratamento digno para o seu filho. A única saída é judicializar o tratamento, ou seja, protocolar uma petição na defensoria pública, pedindo que o município arque com o tratamento orientado pelo médico para o filho autista. Mas a demora é em torno de dois anos, dois anos e meio para ter um retorno desse processo. Com isso, vão-se os anos da criança, ela perde a chance de ter uma progressão das habilidades em defasagem. Essa é a dura realidade das famílias em Minas Gerais, onde muitos judicializam os tratamentos dos filhos e esperam anos para que tenham tratamento e medicação, dando a chance de alguma boa sorte no futuro.

Essa judicalização é amparada pela Lei 12.764, que chamamos de Berenice Piana. Ela já traz no seu teor o direito da pessoa autista a ter o tratamento garantido pelo Estado. O que não acontece, abrindo margem para a possibilidade de que a família judicialize.

Repórter JBN: E quando os pais não conseguem escolas para os filhos, quando as instituições alegam que não há vagas. O que fazer?

Daniel do Bem: Apesar de garantido em Lei a inclusão do autista em sala de aula de ensino regular, com acompanhamento adequando, isso não é uma realidade em Minas Gerais. Pouquíssimos municípios têm ofertado isso ao aluno com autismo. Nós vemos professores se esforçando para acolher esses alunos, mas ela não é capacitada e não conta com estrutura, mas com salas lotadas e nenhum recurso. O aluno padece, porque para o autista estar em sala de aula, ele precisa ser tratado. Como ele vai aprender as matérias se não senta, não olha, não imita, não tem coordenação? Então, as escolas estão repletas de dificuldades de falta de estrutura, de capacitação e de conhecimento. Muitas mães escondem que o filho tem o diagnóstico, porque a vaga existe até que ela fala sobre o diagnóstico e, depois disso, some. Muitas se posicionam assim, escondendo que a criança tem autismo. E isso é caso de polícia, porque a escola não pode negar a matrícula a um aluno apenas por ser autista ou ter alguma deficiência. A Lei diz isso e a família, caso sofra algum preconceito ou exclusão, deve buscar os órgãos competentes, como Defensoria Pública e Ministério Público, para que tenham seus direitos respeitados.

Repórter JBN: “Quem vai cuidar de meu filho quando eu não mais estiver aqui?” Essa é uma questão que passam na cabeça dos familiares de autistas?

Daniel do Bem: Essa é a pergunta que mais machuca os pais de autistas. Ficamos muito preocupados em lidar com a criança, lutar pelas terapias, transferir algumas habilidades em defasagem. Nos preocupa muito se ele vai ficar com alguém que vai entendê-lo, que vai cuidar. Quando eu não estiver mais aqui, esse filho vai ficar sozinho e ficamos preocupados em transferir para eles as habilidades da vida diária, para que ele dê conta de se alimentar, de ter mobilidade, de se autocuidar, para quando esse momento chegar, ele possa se sobressair, não seja tão dependente, consiga vier. Essa é uma preocupação real das mães, principalmente porque a sociedade muitas vezes discrimina, não acolhe, não entende, trata com distância, com indiferença. Isso é o que vemos hoje e muito nos assista. Autismo: precisamos conhecer para acolher mais.

Repórter JBN: É possível para o pai conseguir professor (assistente) de apoio na escola pro seu filho?

Daniel do Bem: Ao matricular o aluno na escola, é preciso apresentar o laudo que diz que ele é autista e a Lei garante o professor de apoio ou assistente para que ele se desenvolva. Esse assistente não é pedagógico, mas responsável em ajudar nas atividades da vida diária. Mobilidade, alimentação e auto higiene, se um desses três protocolos estiver em defasagem, ele tem esse direito, basta apresentar o laudo. Há toda aquela demora burocrática, em primeiro porque não se acha profissionais que desejam ser profissionais assistentes de sala ou mesmo pelas demoras imposta pela burocracia da ordem pública. É sempre necessário contar com a ajuda e a compreensão da escola para que este aluno seja integrado enquanto aguarda o seu assistente.

Repórter JBN: A rede pública fornece os medicamentos receitados para as crianças autistas?

Daniel do Bem: O medicamento é regulamentado pelo Ministério da Saúde e a distribuição de determinado medicamento está atrelado a determinados Códigos de Doença (CID). Na rede municipal, temos, por exemplo, o risperidona, que é disponibilizado àqueles que tenham a receita médica e o CID que identifica o autismo. Mas existem outros medicamentos que são associados, como a ritalina, que é destinado a quem tem TDAH, que são entregues na rede, com laudo e receita. Temos pouquíssimos medicamentos que são entregues pelo poder público e isso é uma defasagem, porque a ordem médica é uma e o que a rede disponibiliza é outra. Os medicamentos são mais uma dificuldade encontrada pela família autista.

Repórter JBN – Para encerrar essa entrevista, nós do JBN gostaríamos de agradecê-lo por esses esclarecimentos tão importantes para a sociedade.

Daniel do Bem – Quem agradece a oportunidade sou eu. Vamos em frente, trabalhando, com fé e esperança. Muito obrigado ao JBN.

 

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