Fórum Minas sem Miséria reúne mais de 100 pessoas de oito municípios em Juiz de Fora
JUIZ DE FORA – O primeiro de cinco encontros regionais do Fórum Técnico Minas Sem Miséria, realizado nesta sexta-feira (22/8/25), em Juiz de Fora (Mata) contou com a participação de mais de 100 pessoas que discutiram e apresentaram propostas para a elaboração do Plano Mineiro de Combate à Miséria. O evento é organizado pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), em parceria com mais de 70 entidades da sociedade civil e poder público, a partir de uma demanda da presidenta da Comissão de Direitos Humanos, deputada Bella Gonçalves (Psol).
Em mensagem lida pela deputada, o presidente da Assembleia, Tadeu Leite (MDB) explicou que o plano é previsto pela Lei 19.990, de 2011, que criou o Fundo de Erradicação da Miséria (FEM), resultado do Seminário Legislativo Pobreza e Desigualdade, promovido pelo Parlamento Mineiro no mesmo ano. Ele destacou o fundo como instrumento fundamental no combate à miséria e destacou avanços promovidos também pela Constituição Federal, com a ampliação dos direitos sociais reconhecidos a todos os cidadãos brasileiros.
Bella Gonçalves lembrou que o Plano Mineiro de Combate à Miséria ainda não foi instituído e denunciou que recursos do FEM estavam sendo desviados para outros fins. Segundo a deputada, em parceria com Tribuna de Contas do Estado (TCE), a Assembleia conseguiu ampliar o piso da assistência social em Minas e criar um Grupo de Trabalho para acompanhar a implantação do plano. Agora trabalha para ouvir a sociedade e construir seu planejamento.
Participação qualificada
Além de moradores de Juiz de Fora e de Belo Horizonte, contribuíram com as sugestões representantes de outros seis municípios da Zona da Mata: Cataguases, Matias Barbosa, Muriaé, Oliveira Fortes, Santa Bárbara do Monte Verde, Ubá e Visconde do Rio Branco. Eles se reuniram ao longo do dia para discutir e priorizar propostas em cinco eixos fundamentais para a superação da pobreza:
- Soberania e segurança alimentar e nutricional
- Trabalho digno e educação
- Diversidade, assistência social e saúde
- Moradia, território e meio ambiente
- Controle social e governança do Fundo de Erradicação da Miséria (FEM)
Os participantes foram divididos em dois grupos e, ao todo, apresentadas 46 propostas e priorizadas 24, nas quais se destacam:
- criar página do governo do Estado para transparência do uso dos recursos do FEM, com linguagem acessível à toda a população
- criar um programa estadual de contratação de pessoas em situação de rua ou vulnerabilidade social e de pessoas vinculadas a empreendimentos, associações e cooperativas populares, incluindo processo de qualificação e de compra de produtos oriundos dessas organizações;
- criar programa de apoio a autoconstrução e a mutirões, que ofereça subsídios, assistência técnica e acesso a materiais de baixo custo e sustentáveis a comunidades para construção ou reforma;
- instituir um sistema de financiamento fundo a fundo para a política de segurança alimentar e nutricional de Minas Gerais. Os recursos seriam repassados aos fundos municipais, pelo fundo estadual, além de parte do FEM.
Os quatro próximos encontros regionais serão nos municípios de Montes Claros (Norte), Uberlândia (Triângulo), Araçuaí (Jequitinhonha/Mucuri) e Betim (RMBH). Além disso, uma consulta pública no mês de setembro ampliará ainda mais a participação de todo o Estado, permitindo o envio de propostas para o plano pela internet.
No início do próximo ano será realizada a etapa final do fórum com a presença de representantes desses encontros para discutir, aprovar e priorizar as propostas colhidas.
As sugestões escolhidas serão analisadas por um comitê eleito em plenário final, que poderá recomendar ao Parlamento mineiro a produção de requerimentos, projetos de lei, emendas a proposições em tramitação ou sugestões ao Orçamento do Estado.
Mesmo com redução, pobreza continua sendo grande desafio
Na parte da manhã, representantes dos parlamentos estadual e municipal e de órgãos públicos abordaram os desafios ainda enfrentados com a desigualdade social. Embora todos tenham reconhecido a redução da miséria no Brasil, que saiu novamente do Mapa da Fome, também admitiram que o problema ainda assombra o País e Minas Gerais.
O presidente Tadeu Leite apresentou em sua mensagem, dados divulgados pela Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese), de junho deste ano, que apontam que 3,4 milhões da população mineira ainda estão em situação de pobreza, dos quais 764 mil em situação crônica, que atravessa gerações em condições precárias de habitação, saneamento básico, educação e trabalho.
O deputado ressaltou que a pobreza não a atinge toda a população da mesma forma e defendeu dar mais visibilidade a grupos mais vulneráveis como mulheres, crianças, população negra ou em situação de rua, LGBTs, povos e comunidades tradicionais, pessoas com deficiência, idosos, migrantes e refugiados, entre outros. “Sabemos que as causas da pobreza são múltiplas e complexas, mas também sabemos que a pobreza é resultado da má distribuição da riqueza e dos recursos de nosso País”, completou.
Para Bella Gonçalves, a extrema pobreza é produzida seja pela omissão de políticas públicas ou pelas iniciativas que retiram investimentos do combate à miséria. Ela comparou que os recursos destinados ao FEM, cerca de R$ 1 bilhão este ano, correspondem a menos de 1% da receita líquida do Estado. Por outro lado, o governo de Minas deve abrir mão de R$ 26 bilhões, em isenções fiscais a empresas.
Na opinião do deputado Betão (PT) a miséria surge a partir da concentração de renda nas mãos de poucas pessoas. Questionou o fato de o Brasil contar com 60 bilionários, que detém mais da metade da riqueza do País.
Lamentou ainda a perversa influência das bets – empresas de apostas on-line – no aprofundamento da pobreza. Betão afirmou que em 2024 R$ 40 bilhões foram arrecadados por esses cassinos virtuais. “Estão colocando mais gente na miséria” – protestou
A prefeita da cidade, Margarida Salomão (PT) ressaltou que além de planejar a destinação dos recursos das políticas de erradicação da miséria, é fundamental garantir sua execução. Nesse combate, ela defendeu a justiça tributária que ampliem a cobrança das grandes fortunas, em benefício dos mais fragilizados
Contextualização de Juiz de Fora
Secretário da Associação dos Motoboys, Motogirls e Entregadores de Juiz de Fora, Nicolas Souza Santos abordou a fragilidade dos trabalhadores informais como um dos fatores de aprofundamento da injustiça social e da pobreza. O município conta com cerca de 7 mil entregadores, grande parte ligados a aplicativos ou que trabalham como autônomos, que prestam serviços esporádicos às empresas sem vínculo empregatício.
Explicou que esses trabalhadores não têm nenhuma proteção social, se submetem a cargas horárias entre 12 e 14 horas e, em média, conseguem salários líquidos em torno de R$ 1,6 mil mensais. “Todos os gastos têm que ser custeados por eles”.
E quando esses trabalhadores se acidentam ou adoecem e ficam impedidos de trabalhar, também não conseguem remuneração. Nicolas Santos falou que a saída muitas vezes é buscar vaquinhas ou colaboração de colegas. E diante de tanta pressão, não conseguem se qualificar para buscar melhores oportunidades. O trabalho informal somado à pejotização (trabalho prestado como pessoa jurídica) são para ele “uma bomba social”.
A secretária de Assistência Social da Prefeitura de Juiz de Fora, Malu Salim Miranda Machado, lamentou que a maior responsabilidade pelas políticas sociais recaem sobre os municípios. Em 2025, o orçamento para a assistência social é de R$ 63,45milhões, dos quais R$ 554,44 oriundos de recursos da prefeitura, o que corresponde a 85,8%. A União contribui com R$ 6, 93 milhões, ou 10,9%, e o Estado com pouco mais de R$ 2 milhões, apenas 3,2%.
“Sem financiamento a gente não faz política pública. Precisamos de orçamento”, defendeu. Ela ainda citou vários outros programas custeados estritamente com os recursos do executivo municipal.