Congadeiros e reinadeiros festejam a ancestralidade e trazem demandas à ALMG
BELO HORIZONTE – Orações e cantos em louvor à ancestralidade africana, mas também reivindicação de mais valorização, respeito e recursos para suas festividades. Festa e luta política marcaram audiência da Comissão de Cultura que reuniu representantes de congados, reinados e de outras manifestações culturais, além do Poder Público. O encontro foi realizado nesta quinta-feira (22/5/25), na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
Solicitada pela deputada Andréia de Jesus (PT), a audiência discutiu projetos de lei em tramitação na ALMG que criam o Dia Estadual do Congadeiro e da Congadeira, do Reinadeiro e da Reinadeira (PL 1.027/23) e a Rota do Rosário (PL 2.991/24). O primeiro é de autoria da própria Andréia de Jesus, de Leninha (PT) e da deputada licenciada Macaé Evaristo (PT). O segundo é proposto por Andréia de Jesus.
Segundo o texto original do PL 1.027/23, o Dia Estadual do Congadeiro e da Congadeira, do Reinadeiro e da Reinadeira será comemorado anualmente em 7 de outubro, data dedicada à Nossa Senhora do Rosário. Já a Rota do Rosário seguiria o trajeto das Festas do Rosário a partir do caminho historicamente feito pelos festeiros e irmandades do Rosário, com marcos identificadores em cada município.
Riqueza
Um vídeo exibido no início da reunião mostrou a riqueza dos reinados em todo o Estado. Andréia de Jesus salientou que eles movimentam a economia com a geração de mais de R$ 30 milhões por ano em Minas, sem receber o retorno devido em termos de orçamento. Só em maio, segundo ela, foram 70 festas, com demanda por alimentos, transportes e materiais. Vídeo sobre a Rota do Rosário também indicou que os festejos geram 4 mil empregos diretos e indiretos em Minas.
“Estamos em tratativas com a Secretaria de Estado de Cultura para termos um orçamento carimbado na forma de premiação anual”, afirmou a deputada. A instituição da rota, segundo ela, daria também uma segurança jurídica para os congados, que enfrentam dificuldades como a mudança dos locais de cortejo a cada troca de administrações municipais.
O deputado Doutor Jean Freire (PT) destacou projetos de sua autoria, envolvendo a saúde da população negra e a criação do selo quilombola. E relatou uma antiga visita a um quilombo em Berilo (Jequitinhonha/Mucuri), na qual se referiu aos moradores como descendentes de escravos. “Eles me lembraram que são descendentes de reis e rainhas. Isso a escola não nos ensina”, pontuou.
Andréia de Jesus ainda celebrou a enorme presença de congadeiros e reinadeiros de várias regiões do Estado, incluindo-se várias rainhas de congado. Com o Teatro da ALMG lotado, foi preciso abrir espaço no Salão de Chá da ALMG para outros participantes.
Recursos muitas vezes não chegam aos grupos
Uma das reivindicações dos participantes da audiência foi por recursos que cheguem, de fato, aos grupos culturais. “Geramos ICMS cultural. Os municípios fazem dossiês, nos fotografam, mas depois contratam artistas caros”, salientou Jorge Antônio dos Santos, capitão da Guarda de Moçambique dos Arturos, de Contagem (Região Metropolitana de BH).
Segundo ele, muitas vezes as emendas parlamentares também não chegam na ponta. Jorge ainda sugeriu um encontro nacional de reinados em Belo Horizonte. Hoje, de acordo com Jorge, no encontro realizado anualmente em Aparecida do Norte (SP), a maioria dos grupos é de Minas. “A Rota do Rosário é maravilhosa, mas não será nada se não fizermos ela acontecer”, observou.
Grupos também enfrentam dificuldades para receber uniformes e até são impedidos de celebrar suas festas em algumas igrejas. Padre Jurandyr Azevedo, da Pastoral Afro-Brasileira da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), pediu paciência com esses padres e grupos resistentes. “O racismo é estrutural. Por isso a intolerância religiosa. Mas a igreja está mudando”, afirmou.
Abadia Costa, madrinha do Marujos Azul de Maio e representante da Irmandade Nossa Senhora do Rosário e São Bendito de Uberlândia (Triângulo), contou que a primeira festa de congado na cidade foi realizada em 1874, mas, recentemente, uma vereadora afirmou que isso não é cultura. “É cultura sim, é fé e tradição. E os projetos de lei são um reconhecimento disso”, defendeu.
Outras demandas também foram apresentadas, como o fortalecimento da Federação de Congados de Minas Gerais, criada em 1950, e o incentivo à formação de novos ritmistas e construtores de caixas.
Participantes querem construção coletiva da rota

Uma fala inicial de Isabel Gasparino (Rainha Belinha), rainha do Congo de Minas Gerais, deu o tom do desejo de congadeiros e reinadeiros: participar da construção do projeto de Rota do Rosário. “Precisamos saber se o que estão nos eferecendo nos atende”, sintetizou, lembrando ainda a diversidade dos grupos do Estado.
Nesse sentido, Nicole Batista, gerente de Patrimônio Cultural Imaterial do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha), defendeu a criação de um conselho de mestres para atuar na regulamentação da futura lei. Uma das preocupações é o risco de espetacularização de um festa de cunho religioso.
Nicole frisou que o turismo traz inúmeros benefícios e pode ser explorado, inclusive, como experiência, numa oficina de tambores ou no comércio de quintandas pelos grupos. Mas, por outro lado, segundo ela, ele pode alterar a dinâmica dos grupos e abrir caminho para a espetacularização. Também seria necessário pensar na infraestrutura de turismo.
“A premissa do patrimônio é a construção e a gestão coletiva de políticas públicas. As comunidades precisam conhecer o projeto de um jeito que o entendam. E a diversidade tem que estar refletida na proposta” frisou. Por fim, Nicole comemorou que o dossiê do Iepha que embasou o reconhecimento dessas manifestações como patrimônio do Estado, esteja refletido no PL da Rota do Rosário.
A reunião foi aberta com um cortejo da guarda de Barra Longa (Mata) e com a apresentação do violeiro Pereira da Viola.