domingo, maio 5, 2024
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População e poder público podem ter que arcar com eventuais prejuízos da privatização do metrô de BH

REDAÇÃO – Mais do que a tão aguardada solução para a expansão e modernização, a privatização do metrô de Belo Horizonte teria sido embasada em um edital com erros propositais, elaborado em torno de dados superestimados, com desvio de finalidade de recursos públicos e, para completar, sem nenhuma transparência.

É o que garante a deputada Beatriz Cerqueira (PT) e os demais convidados da audiência da Comissão de Administração Pública da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) realizada na tarde desta terça-feira (21/3/23), atendendo a requerimento da própria parlamentar.

Consulte o resultado e assista ao vídeo completo da reunião

Entre os erros no edital denunciados na reunião está, por exemplo, a de 43,2 milhões de passageiros transportados no ano passado, enquanto o número real seria de 25,2 milhões, uma diferença é de mais de 71%, conforme aponta o engenheiro da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) e analista técnico da área de transportes, Afonso Carneiro Filho.

Beatriz Cerqueira lembrou ainda que o modelo de privatização garante a empresa vencedora lucro por 30 anos, período do contrato de concessão, às custas dos cofres do Estado, independemente do que acontecer, e não impede sequer o aumento de tarifa injustificado, o que já será realidade com 12 meses de operações.

“Já realizamos diversas audiências sobre o assunto aqui na ALMG e até hoje nenhum parlamentar da base do governo veio nas nossas audiências garantir que não vai ter aumento de tarifa”, criticou.

A parlamentar lembra ainda que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que estruturou o processo, avaliou a parte mineira da CBTU em R$ 900 milhões, mas a empresa vencedora vai pagar pela concessão apenas R$ 25,7 milhões.

Ainda segundo Beatriz Cerqueira, ao garantir o investimento de R$ 3 bilhões de recursos federais e outros R$ 500 milhões de recursos do acordo com a mineradora Vale, em valores aproximados, quem vai patrocinar a modernização do metrô de BH é, na prática, somente o dinheiro público.

“Esse processo ignorou 1.600 trabalhadores do metrô como se eles não existissem. Incluíram no processo uma falsa estabilidade de 12 meses não por bondade, mas para dar tempo da empresa se apropriar da expertise dos metroviários”
Beatriz Cerqueira
Deputada Beatriz Cerqueira
No mesmo tom, o deputado Betão (PT) lembrou os inúmeros problemas já registrados em outras concessões de serviços públicos como saneamento ou estradas que levaram, em última instância, a reestatização dos serviços. “As consultas prévias à população são, na maioria das vezes, para inglês ver. E na hora de vender a ideia de privatizar é tudo lindo”, ironizou.

TCE recomendou paralisação, que foi ignorada

Beatriz Cerqueira e seu colega de partido, o deputado federal por Minas Gerais Rogério Correia, fizeram, ainda em 2021, uma representação junto ao Tribunal de Contas do Estado (TCE) para que fosse apurado desvio de finalidade da verba indenizatória paga pela Vale, que deveria ser utilizada na ampliação do metrô da Capital.

O TCE até recomendou na época a paralisação do processo licitatório, por entender que havia riscos fiscais e financeiros atrelados à concessão, o que foi ignorado pelo Executivo estadual. No início de janeiro, um ofício foi enviado ao governo federal pela bancada mineira de deputados federais e estaduais do PT, PCdoB, PV e Psol, que questionam, entre outras coisas, o valor final alcançado pelo leilão.

Comissão de Administração Pública - debate sobre a privatização do metrô de Belo Horizonte

Mas em meio a muitas preocupações, pelo menos uma boa notícia veiculada hoje pela imprensa pode ser comemorada: o adiamento da assinatura do contrato de concessão, anunciado pelo Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI), por meio da Secretaria de Coordenação das Estatais (SEST), supostamente por falta de documentação por parte do novo concessionário.

Essa assinatura estava prevista no edital para o dia 3 de março e agora não tem mais data para acontecer. Somente após essa etapa, a empresa vencedora da licitação pode assumir o controle do metrô de BH. Com isso, ganha-se mais tempo para reverter a privatização.

Nesta semana o governo federal anunciou que pretende questionar no Supremo Tribunal Federal (STF) a privatização da Eletrobras, realizada pelo governo federal em junho de 2022. Com isso, na avaliação dos participantes da audiência, ainda há esperança de que o mesmo seja feito com relação à privatização do metrô de Belo Horizonte, realizado no apagar das luzes do governo Bolsonaro e do primeiro mandato do governador Romeu Zema, no dia 22 de dezembro de 2022.

Metroviários mantêm pressão constante

Pelo lado dos metroviários, a mobilização tem sido ininterrupta. Para se ter uma ideia, os trens voltaram a funcionar regularmente somente na última segunda-feira (20), após 34 dias de paralisação total. Outras paralisações pontuais da categoria foram feitas anteriormente. Apesar de outras greves mais longas, essa foi a paralisação total com maior duração na história do metrô da Capital.

O maior temor dos metroviários é a dispensa sumária após 12 meses da assinatura do contrato, período em que está proibida a demissão sem justa causa dos trabalhadores da CBTU Minas.

A presidenta da Federação Nacional dos Metroviários (Fenametro) e do Sindicato dos Empregados em Transportes Metroviários e Conexos de Minas Gerais (Sindimetro), Alda Lúcia Fernandes dos Santos, lembrou a situação de insegurança vivida pelos metroviários, que reivindicam a manutenção como empregados públicos da CBTU, garantindo a opção de transferência, realocação e até mesmo um programa de desligamento voluntário.

“Nunca vi uma privatização colocar os empregados como um bem, mas somos seres  humanos. Queremos ser recebidos pelo Lula porque só o presidente da República pode resolver isso. Nossa luta vai continuar. Se não formos ouvidos, o caminho vai ser parar de novo”

Alda Lúcia Fernandes dos Santos, presidente da Fenametro e do Sindimetro

O Ministério Público do Trabalho recomendou, no início do mês, o adiamento da assinatura do contrato até que seja exaurida a mediação de questões trabalhistas no processo, decisão que caberia ao BNDES, que representa a União.

Pesquisa defasada teria embasado processo

Em sua apresentação no início da audiência, o engenheiro da CBTU Afonso Carneiro Filho questionou tanto a sustentabilidade quanto a viabilidade dos planos de expansão que embasaram a privatização, a começar pela instalação de uma nova estação em Novo Eldorado, Contagem (Região Metropolitana de Belo Horizonte).

Segundo ele, a Prefeitura de Contagem defende que ela seja instalada no bairro Bernardo Monteiro, um pouco mais distante. “Mas afinal a Prefeitura de Contagem não foi ouvida? Muita coisa foi feita escondido e não tivemos acesso. Não fizeram antes sequer uma pesquisa de origem e destino, por causa da pandemia. Somente ajustaram uma pesquisa de 2012”, destacou.

Segundo ele, no Novo Eldorado, essa nova estação vai dividir demanda com a estação Eldorado e assim não vai ser cumprida a meta de 10 milhões de usuários a mais nos próximos anos.

Promessa de construir estação e depois nova linha

O metrô de Belo Horizonte foi arrematado por R$ 25,7 milhões pelo Grupo Comporte Participações S.A., em leilão realizado na B3, a Bolsa de Valores de São Paulo. Esse valor significaria ágio de 33,9% sobre o valor mínimo estipulado, de R$ 19,3 milhões.

Com isso, a empresa agora será responsável pela gestão, operação e manutenção da rede, incluindo a ampliação da Linha 1, com a construção da estação Novo Eldorado, e a implementação da Linha 2 (Nova Suíça-Barreiro).

A projeção de investimento para os próximos 30 anos é de R$ 3,5 bilhões. Atualmente, o sistema tem 19 estações, com cerca de 28 quilômetros de extensão, ao longo de uma única linha. A última expansão foi realizada em 2002.

Estados assumiram modal por meio de filiais da CBTU

A CBTU é uma empresa pública criada em 1984 e vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Regional, sendo a União proprietária de 100% de suas ações. Mas a Constituição Federal de 1988 atribuiu aos governos estaduais a gestão dessas redes de transporte e, desde então, as operações têm sido transferidas para os estados, por meio de filiais regionais.

Nessa linha, o modelo de privatização foi acertado conjuntamente entre os Ministérios da Economia e de Desenvolvimento Regional, o BNDES, que é vinculado ao Ministério da Economia, e o governo estadual.

Em Minas, segundo informações do governo federal, foram criadas as subsidiárias CBTU Minas e Veículo de Desestatização MG Investimentos S/A (VDMG). As ações desta última é que foram vendidas em dezembro.

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